Aventuras com o Fughetti Luz

2023 marcou o ano em que o Rock brasileiro perdeu um dos maiores de seus talentos. Falo de Fughetti Luz que conheci ainda nos anos 80/90, graças ao meu amigo Marco Kirsch que era um baita fã dele.

Nessa época Fughetti ainda vivia na zona norte de Porto Alegre numa casa que era uma Meca para muitos amantes do Rock and Roll. Local decisivo para a formação de bandas famosas como Bandalheira, Guerreio Anti Nuclear, Taranatiriça entre outras. Todas que interpretaram criações musicais do Fughetti. Herdeiros diretos da tradição iniciada nos anos 60/70 com as bandas Liverpool e Bixo da Seda. Ambas fundamentais na formação do que chamamos, hoje, de Rock Gaúcho e onde o Fughetti exerceu um papel relevante.

Eu e o Marco frequentávamos esse lugar seguido em nossas aventuras nas plagas da capital. Também era na casa do Marco em Novo Hamburgo que o Fughetti Luz ficava quando vinha ao Vale do Sinos.

Graças a essa relação tive oportunidade de conviver com o Fughetti tanto em Porto Alegre como em Novo Hamburgo onde ele aparecia de vez enquanto. Aos poucos fui ficando fã da sua simpatia irresistível, do bom humor e das sacadas geniais que acabavam virando letras e músicas com uma qualidade rara na cena musical em geral. Todas sempre pensadas para animar a rapaziada.

Por conta desta amizade assisti muitos shows, tanto dele como de seus discípulos.

Ainda acompanhei o esforço do Marco Kirsch e do Gilmar Etelwein pra fazer as gravações dos CDs onde a obra do Fughetti Luz ficou toda registrada, já nos anos 2000.

Isso ainda antes de ele se mudar para Tapes na casa da família da Zefa onde passou seus últimos anos.

Nessa época eu vivia sozinho na minha casa próxima ao Parque Henrique Roessler. Na época ela era uma obra em construção, mas eu já morava lá. Era um bairro novo e meio selvagem ainda.

Foi nesse lugar que um belo dia o Marco trouxe o Fughetti Luz para uma visitinha de surpresa. Fughetti adorou o projeto da casa, mas entrou numas de que eu estava muito sozinho morando ali. Essa sacação acabou resultando no início de uma famosa dinastia de gatos que reinou aqui em casa por muitos anos e que começou com um presente do Fughetti.

Uns dias depois dessa visita da dupla o Marco (sempre ele) me apareceu com uma gata novinha que o Fughetti Luz mandou de presente para combater a minha solidão. Ele estava convicto que eu precisava de companhia naquele lugar tão ermo.

Batizei a fera de Formosa. Ela se adaptou bem e logo começou a ter filhotes. Foram umas três ou quatro gerações que viveram por mais de dez anos. Ela era uma baia caçadora. Eu costumava deixar uma janela semiaberta para ela. Um dia eu estava nessa peça quando a gata apareceu com um enorme Preá para alimentar os seus filhos. Imagina o susto que levei. A presa era maior que a caçadora. Proporcionalmente parecia um leopardo carregando uma gazela.O último membro dessa dinastia foi um gato muito bonito chamado Whiskas (neto da Formosa) que acabou se tornando o macho dominante do pedaço por um bom tempo. Ele voltava, às vezes, para nos ver mesmo depois de ter ido morar com um amigo quando adotamos o Cachorro Puff. Outra fera selvagem, cujas aventuras foram tantas que eu e a Cristina publicamos um livro com várias delas com a ajuda da ilustradora Silvana Santos – mas isso é outra estória.

As visitas do Fughetti a Nóia eram sempre divertidas. Não foram muitas. Mas memoráveis. Ele e o Markun aprontavam bastante. Quando eles estavam juntos as coisas ficavam especialmente divertidas. Era uma relação libertária que despertava um lado maroto que ambos tinham. Acho que era um dos motivos deles se gostarem tanto. Sentia prazer em estarem juntos. E ambos gostavam de ajudar quem precisava. Como ilustra essa história da Formosa muito bem.

Outra visita histórica do Fughetti foi à Picada Verão. Lá tem uma linda cascata, perto do sítio da Família Lima. Um amigo meu tinha uma casa que dava acesso a ela. Por isso o Markun me pediu pra ir junto. Tínhamos estado lá uns tempos antes e ele ficou fascinado com a queda d’água. Deve ter falado pro Fughetti e acabou convencendo ele a vir. O fato é que fomos para lá. Levamos uns xis do famoso king cão (o melhor da cidade de Novo Hamburgo) e nós tocamos para serra, no interior de Sapiranga. O desafio era chegar perto e ver a queda d’água. A trilha é um pouco difícil e para ajudar o Fughetti a chegar bem perto convidamos o Bruno (ex-presidente do Nóia e batera da primeira formação da Barata Oriental) pra ir junto. Era necessário dar apoio pra Fughetti chegar lá. Nalguns pontos foi preciso carrega-lo.

Apesar de alguma dificuldade foi bem divertido. O lugar é muito lindo. Tomamos um banho no rio e depois fomos para um ponto de onde se via a queda de frente. Ela tem mais de 30 metros e tem uma caverna embaixo que parece um altar de igreja. Lá embaixo não deu pra levar o Fughetti por ser uma trilha muito difícil e bem arriscada. Mas fazer um picnic na floresta curtindo a visão da queda d’água foi algo bem gratificante. O Fughetti curtiu muito. Para nós foi muito legal proporcionar essa aventura para ele. Era um dia de semana e não havia ninguém por lá. O local tem uma linda floresta em torno do rio com muita vida selvagem. Um dia de primavera muito agradável que virou um momento bem legal. Mesmo anos depois a gente lembrava-se dessa farra ousada nas selvas do vale.

A primeira vez que ouvi músicas do Fughetti foi num show da Bandalheira no Araújo Viana antes dele ser coberto. Foi um dos shows mais impressionantes de Rock que eu vi na vida. O show começou com o Duca Leindecker e o Marcinho tocando em cima do anel. Uma coisa de louco. O local lotado e todos do público cantando as músicas junto. Uma verdadeira comunhão de almas. Isso foi antes de conhecer o Fughetti pessoalmente. Foi o primeiro contato com a arte dele e logo de cara fiquei muito impressionado por conta do conteúdo das letras. Música que não tem letra legal eu não curto. De mensagens bestas o mundo já tem que chega. Até hoje quando estou muito deprimido ou triste coloco um dos CDs do Fughetti e logo o baixo astral vai embora. A gente se sente muito energizado ouvindo as canções tanto pela beleza das letras como a força da melodia.

Assim como para mim o Fughetti foi uma pessoa que ajudou muita gente a se encontrar com sua arte e ajuda até hoje a puxar pra cima o astral desse mundo. No dia mundial do Rock ele foi homenageado num evento bem no centro de Porto Alegre quando uma multidão cantou “campo minado” puxado pelo Carlinhos Carneiro da Banda Bidê ou Balde. Uma prova de que como artista o Fughetti Luz é parte de uma seleta turma de grandes artistas do nosso país. Um cara que nunca se entregou mesmo quando a vida foi dura com ele e que sempre seguiu cantado com tudo em riba e só prosseguindo sempre com o cuidado de não pisar no detonador.

Arno Kayser

Agrônomo, Ecologista e Escritor

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Comentários

  • juarezfernandesmail  On 12/12/2023 at 10:37

    Grandes histórias! Espetáculo! O que se leva daqui é o que se vive, não os bens que se acumula, esses não levamos conosco!

  • Omar Rösler  On 12/12/2023 at 16:05

    Fughetti Luz foi e é um ícone do rock brasileiro.

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