O Grande Impasse da Humanidade

 

Vejo a humanidade diante de um grande impasse. A corrida armamentista, os conflitos políticos regionais e mundiais, a superpopulação, a crescente devastação dos recursos naturais e dos ecossistemas silvestres, a competição, a carência de trabalhos que dê auto realização, a falta de contato humano, as guerras, acidentes atômicos, poluição do meio ambiente, violência, contaminação dos alimentos por produtos tóxicos, uma vida totalmente desligada dos ciclos naturais, as doenças degenerativas, as mudanças climáticas e toda uma série de outros problemas.

Todos pondo a humanidade diante da perspectiva de um ponto de não retorno. Temos hoje a capacidade de autodestruir-nos rapidamente no caso de uma guerra atômica ou lentamente se não forem revertidos certos processos de agressão ao ambiente natural ou a nossa saúde.

Somos a espécie dominante do planeta. Assim como foram um dia os grandes répteis. Porém nossa presença esta se tornando demasiadamente perigosa. Nossas intervenções tem sido de tal ordem que talvez, para a continuidade do processo vital, se faça necessária à eliminação da espécie humana ou a redução drástica de seu poder. Processo este extremamente doloroso, pois uma série de outras manifestações vitais, do mesmo modo, encontraria o fim de suas existências como unidades específicas.

Todavia o processo vital dificilmente se extinguiria por inteiro. Estudos em regiões onde foram feitos teste nucleares a céu aberto comprovam que várias espécies vegetais e animais adaptam-se a presença de altos níveis radioativos. Primitivamente tínhamos, no planeta, índices tão altos como agora nesses locais e formas mais simples como os insetos, répteis e microrganismos possuem em seu patrimônio genético condições de criar mecanismos condizentes com essa situação.  Do mesmo modo existem formas vivas capazes de sobreviver mesmo em ambientes extremamente contaminados por resíduos tóxicos.

Mas de um modo geral são seres posicionados em pontos mais baixos da cadeia trófica que dispõem destas capacidades adaptativas. A espécie humana, no entanto, se encontra num dos pontos mais altos. Portanto muito mais exposta. Sua subsistência depende da continuidade harmônica de toda a pirâmide da vida. Uma agudização das condições ambientais rumo a um equilíbrio menos homeostático seguramente extirparia o ápice da pirâmide. Justamente onde se encontra o elemento gerador da atual processo de perturbação.

Riqueza de manifestações vivas é fruto de ambientes extremamente equilibrados onde os limites extremos dos componentes básicos, tais como luz, umidade, temperatura, regime de chuvas e outros estejam muito próximos. Um alargamento dessa faixa de equilíbrio implica em extinção de várias formas mais delicadas. Persistindo só formas mais resistentes, capazes de se adaptar aos limites extremos de fatores ambientais. Um exemplo elucidativo é a floresta amazônica. Seguramente o ambiente mais rico em termos de formas vivas. Estatísticas dão conta que a densidade de indivíduos adultos das várias espécies arbóreas é da ordem de uma ou duas por hectare. Tão variada é a biodiversidade da floresta. No entanto isso só se verifica devido ao ato de que a oscilação térmica anual é de apenas cinco graus. Ela permanece sempre constante entre 25 e 30 graus na média, que é a faixa ideal de crescimento de plantas tropicais. Em contraste a isso temos o deserto do Saara, também na faixa equatorial. Ali a oscilação da temperatura diária é de 50 graus. Sob essas condições apenas raras espécies sobrevivem.

Aparentemente estamos evoluindo para fazer de boa parte do planeta um deserto de dimensões globais. Ambientes onde não encontraremos condições de sobrevivência. Para as forças criadoras do cosmos nossa extinção não seria um choque. Outras espécies já foram descartadas, por meio de grandes períodos de agudização das condições ambientais. Como o foram, por exemplo, as eras glaciais. Tais forças desconhecem limites de tempo. Têm a eternidade para edificar um novo ciclo evolutivo a partir do material vivo sobrevivente que conduzam a formas mais complexas de vida novamente. De certo modo lhe é indiferente. Mas por outro lado um trabalho tão longo como foi o da criação deste complexo ecossistema que é o planeta terra seguramente seria um grande desperdício. Ainda mais que um dos frutos desse processo é capaz de compreender conscientemente tudo que o cerca. Condição que o habilita a atuar como o grande maestro dessa imensa sinfonia.

Eis o impasse da humanidade da Humanidade. Chegamos a um ponto em que temos que assumir uma decisão como indivíduos e como espécie. Ou permanecemos nessa vereda auto suicida em que estamos ou evoluímos para uma nova postura existencial de respeito e convivência equilibrada para com os mecanismos de sustentação desta fantástica manifestação vital que ora se verifica no planeta.

Transformação esta difícil, mas para o qual a maioria dos indivíduos esta capacitado. Alguns de nós num estágio mais avançado, outros nem tanto. Falo em indivíduos porque acredito piamente num processo de auto evolução individual com inevitáveis reflexos nas atitudes sociais rumo a outras posturas de toda a humanidade. Isso porque todos os desequilíbrios que hoje verificamos no mundo externo são exteriorizações de grandes conflitos internos em cada um de nós. Conflitos dos quais se alimentam todas as instituições humanas para se perpetuarem no poder. Poder esse que é necessário aos mais carentes dentre nós. Indivíduos que justamente se organizam nestas instituições com o objetivo de conquistá-lo. Conquista que lhes é necessária para calar a erupção de dúvidas e carências existenciais que lhes inferniza a vida. Vejo pouquíssimos entre nós libertos dessa sede. Mesmo porque somos produtos desse meio e dessa ideologia.

No fundo temos medo de viver. De morarmos em nós mesmo e assumirmos nossa grande solidão. Vivemos divididos porque buscamos atenção dos demais. Porém não queremos expor a totalidade do que somos. Mostramos somente as facetas socialmente valorizadas e ocultamos as desprezadas. Nós nos exercitamos em jogos de mutua sedução e auto afirmação porque temos medo de estarmos a sós com a totalidade da vida que em nós se manifesta. Porque não queremos aceitar o fato de que somos uma manifestação material passageira que abriga um espírito capaz de compreender o todo da vida. Temos medo de encarar o fato de que nosso corpo é apenas o produto de uma organização material segundo os ditames de um código genético. Esse sim produto de um longo processo evolucionário. Simples organização material que ciclicamente tem seus componentes renovados. Temos vergonha de nossas excreções. Nós nos identificamos com esse corpo. Como se ele fosse eterno. Sonhamos com sua eternização. Por isso aceitamos todas as formas de regras que disciplinam as organizações sociais humanas. Queremos a aceitação dos outros para nos distrair mutuamente e esquecermos a extinção física individual que nos aguarda.

Faz-se necessário a cada uma de nós a libertação deste eu egoísta que tudo quer para si. Para seu reconhecimento como existência. Processo que pode levar nos casos mais patológicos a atitudes extremamente agressivas. Sem essa evolução perpetuar-se-ão os atuais estágios de injustiças sociais violentas e de agressão à vida.

 A cada um de nós se apresenta agora essa tarefa. Urge uma transformação individual para outra atitude existencial que conduzirá a Humanidade a um mundo mais equilibrado.

Acredito piamente que as forças criadoras que edificaram essa jóia rara perdida no espaço estão profundamente interessadas nessa evolução e dispostas a ajudar-nos nesse processo. Temos que nos abrirmos a elas. Ou melhor, permitir sua ação em nossas vidas, pois elas encontram se dentro de nós também. Deixar que elas nos conduzissem a uma forma muito mais intensa de vida do que atualmente conhecemos. Aqui nesse mundo. Cada de nós é (ou pode ser) um elemento chave, um artífice deste mundo novo. Não importa onde esteja ou o que faça. E isso é maravilhoso.

Arno Kayser Agrônomo, Ecologista e Escritor

Manheim, Alemanha 1/9/1986.

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Comentários

  • datacarrierdetect  On 22/01/2024 at 13:13

    Arno, quase quarenta anos depois, qual a sua leitura sobre esse tema? (temo que não seja muito diferente, porque o texto me pareceu extremamente contemporâneo, até me deparar com a data ao final)

    • arnokayser  On 15/02/2024 at 22:50

      Oi.
      A situação não mudou muito. Alguma coisa melhorou. Mais gente se conscientizou do tema ambiental e tem tomado atitudes pra mudar a situação. Mas a maioria da humanidade parece que não acordou ainda. Alguns processos de degradação tem se acerbado. O dilema da humanidade ainda permanece similar a quase 40 anos atrás

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