A contribuição da imigração alemã para a formação da consciência ecológica brasileira

 

O Brasil é uma referência mundial em termos de movimento ecológico. Ele também é um país que acolheu, especialmente no sul, migrantes de origem alemã a partir do século 19. Essa massa de gente começou a se fixar em 1824 em São Leopoldo-RS após umas tentativas não bem sucedidas no norte do Brasil.

Eles contribuíram em muitas coisas na cultura do país. Uma das suas contribuições mais interessantes foi o papel de lideranças de origem germânica que ajudar a construir o movimento ecológico no Brasil.

Essa trajetória começa na base europeia destes migrantes. A cultura alemã tem na sua origem forte relação com a natureza. Originalmente ela era formada por povos com reverenciavam o caráter divino da natureza antes de serem cristianizados. Esses povos se uniram no início da era cristã para resistir à ocupação dos romanos que avançavam sobre seus territórios a partir do rio Reno. Muitas marcas desse processo seguem até nossos dias na toponominia do país. Um exemplo é o OdenWald. Uma região cujo nome remente ao deus Odin. O mesmo da mitologia nórdica que também é parte da cultura germânica. Eram divindades inspiradas em forças da natureza.  Elementos que ajudaram a moldar a identidade dos povos germânicos e a identidade da nação. Tanto que um dos símbolos da identidade nacional é o carvalho. Uma árvore que sempre rebrota mesmo quando cortada e que pode viver centenas de anos.

Por conta dessa marca, já nos séculos 18 e 19, Goethe e outros naturalistas alemães contribuíram decisivamente para criar o Conservacionismo. Movimento que foi uma resposta à destruição da natureza iniciada pela Revolução Industrial. Ele defendia que porções da terra deviam ser protegidas da presença humana para permitir que a vida selvagem seguisse existindo. Vida selvagem que era identificada com a verdadeira natureza da tradição alemã. Esse movimento que iniciou o ecologismo e a luta ambiental dos nossos dias.

Até hoje a Alemanha é uma referência mundial em gestão ambiental e ativismo ecológico. Os verdes foi o primeiro partido ecológico do mundo. As legislações ambientais alemã serviram de base para outros países construírem as suas. O país têm famosos laboratórios que são lideres de tecnologias de analise de parâmetros de controle de emissão de inúmeras substâncias. A agricultura orgânica foi muito impulsionada pela Alemanha.

Esses fatos influenciaram muito a população de origem germânica assentada no Brasil e contribuir para forjar algumas grandes lideranças, ações, entidades e movimentos importantes da luta ecológica brasileira.

Entre muitos destacamos alguns nomes: Fritz Muller, Balduino Rambo, Henrique Luiz Roessler, Kurt Schmeling, padre Clemente Steffen e José Lutzenberger.

Fritz Muller colaborou com seus estudos na construção da Teoria da Evolução das espécies junto com Darwin. Seu trabalho é citado diversas vezes no livro Origem das Espécies por seus trabalhos sobre a biodiversidade na mata atlântica e litoral de Santa Catarina.

Padre Balduíno Rambo foi Jesuíta. Era um grande pesquisador tendo sido o idealizador do Herbário Anchietano. Ele foi responsável por campanhas para criar os primeiros parques naturais do Rio Grande do Sul. Entre eles o Parque do Turvo, Parque dos Aparados da Serra e o parque Jardim Botânico e o Zoológico da Fundação Zoobotânica do RS. É o autor do livro “Fisionomia do RS”- obra fundamental da visão naturalista do RS. Nessa obra ele fez a defesa da natureza que em seus escritos era entendida com uma manifestação de Deus. Ele trabalho muita na ideia de uma  grande síntese unificando as visões das ciências naturais e da teologia, mas não chegou a concluir essa obra. O que não o impediu de ser uma referência para toda uma geração de naturalistas na primeira metade do século 20 que segue atual até hoje.

Henrique Luiz Roessler foi o primeiro Delegado de Caça e Pesca do RS, nos anos 30-50. Ele organizou a primeira rede de fiscais voluntários de proteção à natureza. Também foi o criador da União Protetora da Natureza (UPN) em 1955. Umas das primeiras entidades ecológicas do país que foi criada como resposta ao seu afastamento do Delegado de Caça e Pesca do RS por pressões políticas. Foi um dos primeiros a denuncia a poluição do rio dos sinos. Ele ainda foi autor de centenas de textos sobre a defesa da natureza publicados no Correio do Povo entre 1957-1963. E também de muito material de propaganda ilustrada de conscientização. O que influenciou uma geração de ativistas ecológicos que passaram a atual nos anos 70 e 80.

Kurt Schmeling foi um dos colaboradores de Roessler. Ele promoveu a recuperação da mata do Morro da Fundação Evangélica de Novo Hamburgo. Trabalho que contou com apoio de Roessler nos anos 50 e recuperou cerca de 16 hectares de mata nativa na zona urbana. Ele foi Professor de Ecologia nos anos 70-80, formando a geração de ativistas que com ele fundaram o Movimento Roessler para Defesa Ambiental. Entidade muito importante na defesa do Rio dos Sinos e que teve forte atuação na criação e desenvolvimento do Comitesinos, pioneiro no Brasil. Ainda foi o criador do Museu Ambiental Henrique Roessler que guarda muito da história desse movimento.

O Padre Clemente Steffen foi outro Jesuíta que trabalhou como Pesquisador e Professor na Unisinos. Ele foi o mentor do Paisagismo do Campus da Unisinos e uma referência em pesquisa de plantas medicinais tradicionais. A horta medicinal da Unisinos teve uma grande contribuição para as pesquisas do setor. Também foi um formador de uma geração de profissionais das ciências naturais. Vários ativistas do movimento ecológico a partir dos anos 90. Seu gabinete e sua coleção de livros eram um pequeno santuário de devoção a causa e meca dos interessandos Ainda foi fundador e primeiro vice presidente da Agapan. Atuando mais no Núcleo de São Leopoldo da entidade que deu origem a UPAN. Outra referência na defesa da natureza da região.

José Lutzenberger foi o fundador da Agapan. É a maior figura intelectual e ativista do Movimento Ecológico Brasileiro nos ano 70 a 2000. Também foi uma referência mundial em vários temas da luta ecológica. Entre outros a defesa da Amazônia, a agricultura regenerativa, a reciclagem de resíduos, a lutas contra os Agrotóxicos, as ações em prol da arborização urbana, de tecnologias brandas e do controle da poluição industrial. Paisagista notável foi criador do Parque de Torres e do Rincão Gaia. Era um conferencista brilhante que falou em todo em todo o mundo graças ao domínio de línguas que tinha. Foi o autor do “Manifesto Ecológico Brasileiro” denominando o “Fim do Futuro”. Obra fundamental na definição das lutas ambientais. Também foi autor de outras obras de crítica ao modelo de sociedade destruidor da natureza. Na oficial foi Secretário do Meio Ambiente da Presidência da Republica e organizador da conferência da ONU Eco 92. Por em defesa da Natureza ganhou o Prêmio Nobel Alternativo. É considerado por muitos autores uma das mentes mais influentes do século 20.

Além destes nomes há muitos outros brasileiros de origem germânica que seguem a luta da defesa na nossa natureza guardando o legado desses mestres. Obviamente nem todos seguiram essa linha. Muitos descendentes de alemães foram responsáveis por muito da devastação que ocorreu no Brasil. Mas não há dúvida que as ideias que cruzaram os mares até nossa pátria contribuíram em muito para formar a consciência ecológica brasileira.

Arno Kayser

Agrônomo, Ecologista e Escritor

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