Economia e Ecologia: parceiras ou adversárias?

 

O senso comum geralmente indica que Economia e Ecologia são ciências em constante conflito. Quem defende essa tese quase sempre entende que a Economia deve ser priorizada e que defender a Ecologia é um luxo defendido por alguns lunáticos românticos.

Quem defende que a Ecologia é mais importante, em muitos casos, tende a demonizar a Economia como a causa de todos os males do mundo.

Um dos palcos atuais desse debate é a criação de mecanismos econômicos para proteger as formações naturais intactas a partir de recursos oriundos de grandes corporações transnacionais que tem empreendimentos que geram muito impacto ambiental e são grandes poluidores.

Muito importante esse debate. Temos que encontrar uma forma de pagar pela preservação e pelos serviços ambientais de áreas preservadas e estimular as atividades econômicas a migrar para sistemas produtivos que gerem bens e serviços para a humanidade em bases ecologicamente sustentáveis. Senão o ônus  de preservar áreas mais conservadas vai ficar só para quem tem a posse desses territórios e perpetuar a degradação dos territórios que hoje produzem em bases destruidoras do equilíbrio do planeta.

A situação de falta de recursos para preservação combinada com a continuidade da produção em bases lesivas ao meio ambiente, no médio prazo, vai acabar tanto com as áreas preservadas como a atividade econômica sem base na ecologia.

Mas a geração e a gestão desses recursos devem ser feita sem a mediação direta das grandes corporações. Elas querem preservar esse sistema presente que geram muito lucro para ela e, ao mesmo tempo, melhorar sua imagem junto à população.

Todavia algumas fontes de recursos nos precisamos ter para proteger as formações naturais e apoiar práticas ecologicamente sustentáveis de produção.

O Sistema de Recursos Hídricos do Rio Grande do Sul, para citar um exemplo de outra forma de gerar e administrar recursos prevê a cobrança pelo uso da água nas atividades econômicas. O recurso da cobrança vai para um fundo que  financia os estudos técnicos, as ações e obras decididas pelo plenário dos comitês nos planos de bacia para garantir a qualidade e a quantidade da água tanto para os fins econômicos como para a preservação da vida selvagem nos corpos hídricos naturais. Os plenários dos comitês não são dominados pelo governo e tem paridade entre o setor econômico e a representação da comunidade.

Não sabemos se esse sistema vai dar certo porque o mecanismo da cobrança pelo uso da água não foi implantado ainda. Alguns agentes econômicos poderosos com grande influência junto ao governo são contra. Mas na teoria parece ser uma boa idéia para ter recursos, incentivar adoção de boas práticas e ter controle social dos investimentos.

Também se pode imaginar um sistema em que os poluidores paguem impostos para um fundo cuja progressividade os estimule a diminuir a poluição e fazerem com que busquem por soluções ecológicas. E que esse fundo venha a financiar projetos aprovados em um fórum com controle social. Tipo o Fundo Nacional do Meio Ambiente, que nos anos 1990 tinham quase 50% dos assentos com votos destinados a ONGs. Os projetos eram de livre proposição a qualquer tempo. Não como os atuais editais em que o proponente tem que fazer tudo em poucos dias e normalmente perde o prazo ou não é contemplado por ter se esquecido de cumprir algum detalhe burocrático. O formato atual de muitos editais são para gringo ver. Na prática são meio direcionados para quem já está no esquema e conhece o caminho das pedras. Semelhante ao que ocorre como os projetos das leis de incentivo a cultura que quase sempre vão para as mesmas produtoras culturais e não socializam recursos para gente, mas da base da sociedade com menos experiência ou capacidade institucional de formulação de projetos.

Mas também há outros mecanismos de apoio financeiro como os certificados de origem para produtos ecologicamente sadios semelhantes aos que já são usados em outras esferas da economia como o vinho, queijos e café e outros produtos de alto valor agregado justamente por sua origem e forma de produzir. Mecanismos que têm salvado a economia da base da sociedade européia pelo glamour que acrescenta a esses produtos. Não parece muito difícil imaginar uma linha de ação similar para produtos produzidos em base ecológica. Com as certificações isso já ocorre em parte. Parte da renda dessas certificações também poderia ir para fundos de apoio para uma transição produtiva de empreendimentos com objetivos ecologicamente sustentáveis.

Essa idéia pode ser adaptada e combinada com mecanismos de economia solidária que valorizem produtos feitos em empreendimentos que respeitem as pessoas e o meio ambiente.

A construção de fundos destinados a preservação da natureza e formas de distribuição de renda que socializem a riqueza produzida pelo trabalho em sistemas que tenham base ecológica e produzam justiça socioambiental é um tema que ainda está em construção. Só rejeitar ou só denunciar os modelos propostos pelas grandes corporações e fóruns capitalistas mundiais não basta mais no contexto atual. É preciso avançar.

A verdadeira economia é a ciência do cuidar da casa. Enquanto ciência de fato é necessária. A Economia de verdade é parceira da Ecologia. As distorções que alguns economistas que fazem a apologia dos processos produtivos como mais importantes não passa de delírios matemáticos. Não são nada mais que práticas especulativas alienadas dos limites de produzir que o Planeta Terra tem com os recursos limitados que possui no tempo e no espaço. Limites claramente definidos pela Ecologia.

O desafio atual dessas duas ciências é trabalhar juntas para gerar as bases de um sistema produtivo que garante à produção e justa distribuição de bens e serviços necessários a sobrevivência de toda a Humanidade e, ao mesmo tempo, a conservação da vida no planeta não importa em que bioma ou cultura ela se manifesta.

Arno Kayser

Agrônomo, Ecologista e Escritor

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