CLARO E ESCURO

Tempo de chuva e frio!

Tempo de espera e estio!

Flor de primavera

Dorme semente

No âmago da gente.

 

Resistir às durezas da estação

Conduzindo latente

O fruto do próximo verão.

 

Sempre que começamos a notar os sinais da primavera algo muda em nós. Com o fim das últimas chuvas de agosto começa o calorzinho que se faz notar no maior movimento de animais e plantas. Também temos a atuação do aumento do número de horas de luz diárias. Todos estes fatores começam a desencadear uma série de reações no metabolismo íntimo das plantas. Por um longo tempo, em que a temperatura do ar esteve mais fria do que a temperatura do solo, as plantas estiveram como que mortas. Ao contrário dos animais superiores que controla sua temperatura interna, as plantas dependem da temperatura externa e da luminosidade pra regular seus processos bioquímicos. O calor e a presença de mais luz agem sobre as enzimas das plantas desencadeando fenômenos como o rebrote, florescimento e frutificação.

Todo este banho de exuberância sempre influi na psique humana. Não é a toa que a primavera é celebre por inspirar paixões e desencadear romances. A beleza da natureza nos sensibiliza e apaixona. Mas nem sempre a vida se manifesta desta maneira. Com a primavera saímos de um período de retração em que a vegetação estava parada e, aparentemente, sem vida. Mas esta impressão é apenas uma visão ilusória. Na verdade durante todo o inverno estava em febril atividade. Porém esta atividade não se evidência no aspecto externo da planta. Dá-se toda ao nível subterrâneo.

É no lado escuro da vida que o inverno opera. Como há pouca luz e muito frio fora toda concentração de atividade se dá ao nível de subsolo. Quem já recolheu agua de um poço no inverno deve ter notado que ela esta mais quente que o ar. No verão ocorre o contrário. Este fato se dá porque a terra conserva mais o calor do que o ar e no inverno tem temperaturas mais altas que o meio externo. Como a vida a vida vegetal depende do calor do meio externo o trabalho maior se dá ao nível da raiz. O crescimento radicular é maior que o crescimento das estruturas áreas. Crescimento que é fundamental para que a planta tenha condições de absorver água e nutrientes para a explosão amorosa da primavera e o amadurecimento do verão. Sem isto não haveria base para aproveitar o estímulo e as condições favoráveis dos tempos quentes. Todo esforço rapidamente abortaria numa manifestação vital sem consequências. Este fenômeno, que se repete a cada ano pode ser comparado à respiração humana, porém num ritmo anual. Dentro desta visão na primavera estaríamos no início período da expiração depois da puxada de folego no outono inverno.

Observar estas transições da natureza ajuda-nos a compreender a razão de muitos fracassos humanos. Muitos, que não se apercebem dos processos vitais que ocorrem no inverno, também ignoram a necessidade do crescimento interno anterior a todo processo de exteriorização. Muitas vezes, ao enxergar alguma manifestação de plena criatividade humana, não enxergam todo o tempo de preparo íntimo necessário. Por esta razão não buscam um trabalho de fortalecimento e amadurecimento interno e julgam que a solução ou o sucesso de um projeto possa vir da simples agregação de coisas externas. Como se fosse possível produzir algo do mesmo modo que se produz um cenário. É da natureza humana a necessidade de passagem cíclica por períodos de “invernos íntimos” antes das explosões primaveris se quisermos construir coisas verdadeiras. São nestas horas em que o meio externo está mais hostil que acumulamos forças e amadurecemos nossos projetos. Esta hostilidade nos despoja de tudo que não é essencial e que só pesa e atrapalha. É ela que limpa a semente e prepara-nos pra os tempos de expansão.

Nossa sociedade maníaca, que sempre está nos puxando pra fora, não costuma respeitar isto nas pessoas. Por isto se vê tantas pessoas esvaziadas e esgotadas por aí. Tal qual plantas que não puderam descansar e mal e mal se mantém em pé e das quais pouco podemos esperar.

As pessoas sábias respeitam estes ritmos naturais e com o tempo aprendem a conhecê-los. Elas encaram as dificuldades de outra maneira, pois sabem que a primavera mais dia menos dia vai voltar. Por isto atravessam com mais calma e menos sofrimento tempos ruins, pois sabem que isto faz parte da ordem natural das coisas e que o longo período escuro passa e tempos mais claros virão.

Do mesmo modo não se iludem com o momento de pleno êxito e sucesso, pois sabem que antes da próxima expansão virá novamente o refluxo e já no pleno gozo do verão se preparam para as dificuldades que virão. Tudo porque sabem que todo processo de crescimento passa por ritmos. A consciência deles prepara melhor a passagem pela vida que se dá num ritmo harmonioso como o resfolegar de um sono tranquilo. Ritmo em que tanto o claro como o escuro são, igualmente, importantes na nossa jornada. Coisa que só se aprende pela paciente observação dos ritmos do mundo externo que têm em nosso íntimo um fluir similar.

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