COURO XI

A greve dos professores terminara e as aulas começavam naquela semana. Ia ser aquela correria de novo. Nos últimos dois meses se habituará com a folga noturna depois de mais de oito horas no caixa do supermercado.

Correu para a casa. O ônibus hiper lotado como sempre. O fedor do suor dos operários e as mãozinhas bobas lhe davam vontade de vomitar. Tinha mal e mal uma hora para se ajeitar e voltar de ônibus para a escola. Nem comia nada. A mãe ralhava, mas ela até achava bom baixar um pouco de peso. Era o primeiro ano que estudava de noite. Parará na quinta série e começara na lojinha. Depois o super. Uma miséria de salário. Sem estudo não dava para pensar em algo melhor. Por isto voltará.

O pai não queria a princípio. Era muita malandragem na rua à noite. Um perigo para uma guria nova. Mulher era para casar. Só deixou quando soube que iam outras gurias da vila. Encontravam se na pracinha e iam pondo os assuntos em dia.

Saiu correndo não sem antes ficar uns bons minutos ajeitando se no espelho. O conjuntinho imitação de couro lhe caia bem. Ficou treinando um sorriso pra esconder os dentes tortos. A dentista do posto dissera que ainda tinha que esperar mais um ano para usar aparelho.

Estava ansiosa. Não tinha ido ao primeiro dia. As gurias falaram que o cara loiro e alto que vira na boate aparecerá na saída da escola. Talvez tivesse ido procura-la. Tinha batido um papo no meio da festa e ela falará das aulas à noite. Ficou tanto tempo se penteando e perfumando que quase perdeu o ônibus.

O tempo custou a passar. As aulas eram chatas e os professores tocavam matéria pra compensar o tempo perdido. Não entendeu nada na aula de matemática. Lembrou do caixa do dia. Tinha medo de errar e levar xingão do supervisor. Era um cara estúpido e metido. Só porque ganhava um pouco mais se achava grande coisa. Tinha vontade de soqueá-lo às vezes.

Depois do recreio o sono bateu. Só agüentou por causa da expectativa da saída. Era um baita gato. Só de pensar o coração batia mais forte. Tinha um peito forte. Parecia surfista. Pra seu azar o professor inventou um tema de casa no fim da aula. Copiou tudo às pressas e saiu uns minutos depois do sinal. Desceu às escadas ligeiro. Só deu uma paradinha antes do portão da rua para ajeitar a saia e os cabelos.

Chegou bem a tempo de vê-lo passar com uma fusqueta agarrado na loirosa da outra sala.

Arno Kayser Agrônomo Ecologista e Escritor

Agosto 1991

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